Quem é você para aquele que não é você?
Em dezembro de 2014, antes que uma parte do mundo tomasse conhecimento dos atos de terrorismo na França, Nigéria, Tunísia, fui convidado pelo Cena 11 Cia de Dança para estar presente em uma etapa de sua pesquisa, possivelmente, uma das mais doloridas, intitulada: Protocolo Elefante. Nesse contexto, falava-se de partida, separação, compreensão daquilo que se é até ali. Mas, desde que deixei o grupo, no final de 10 dias de trabalho, venho me perguntando: “Para que?” “Para quem?” “Por que?”.
Quando cheguei a Florianópolis, em Jurerê, mais precisamente na sala de ensaio do Jurerê Sports Center (JUSC), estavam todos presentes. Mas, qual Cena 11? Não dava para saber. Depois de 22 anos, a Cia chegou a um momento popularmente conhecido como crítico, uma das razões para continuar a fazer o que faz. Afinal, para as coisas da arte não existe um ponto fixo, mas instantes físicos, em que a legitimidade dos acontecimentos é colocada em questão, no corpo.
Alejandro Ahmed, Aline Blasius, Anderson do Carmo, Edú Reis, Hedra Rockenbach, Jussara Belchior, Karin Serafin, Marcos Klann, Mariana Romagnani, Malu Rabelo colecionavam coisas do passado: para uns, recente, para outros, antigo e, para todos: agora.
Mais do que partir ao encontro da identidade, ou da morte dessa identidade, Protocolo Elefante trabalha com o tempo nas coisas, com as manifestações que aconteceram e continuam a acontecer dentro de um futuro que vem sendo promovido no tempo de sua existência. Por isso, a criação se apresenta labiríntica – trabalhar o tempo nas coisas requer muita atenção para não se perder em questões ideológicas que transitam, ao mesmo tempo, entre os percursos intrincados: se a procura for pela saída, em detrimento da conexão com a vertigem, o experimento artístico perde a sua função.
Para certos mercados da arte, essa é uma postura perigosa, uma vez que eles são produzidos, basicamente, por conclusões. Embora suas leis sejam obscuras, é necessário que seus agentes sejam articulados o bastante para fazerem crer, a cada momento, que estão propondo algo que faça sentido para uma multidão. Os mercados têm alguma coisa em comum: eles gostam de números e não de gente. Eles gostam de números de gente, e trabalham para alcançar esses números custe o que custar.
Cena 11 coloca-se em risco: deixar de ser objetivo, ou mesmo deixar de ser, pode também levar o grupo a deixar de acontecer. Essa é uma das realidades que atinge o núcleo dessa pesquisa, mas, querendo ou não, o fôlego se mantém.
Nesse momento, em que questões vitais afetam o funcionamento da Cia., os amigos são convidados a complexificar os códigos que conduzem um corpo a um estado de crise: Michele Moura, Eduardo Fukushima e eu.
A sintonia que existe entre os amigos se produz no constante cuidado para com a projeção do gesto, na forma e no contexto em que ele se configura, nos múltiplos jeitos de trabalhar um universo que nos intimida dia a dia com suas imposturas.
O movimento em Protocolo Elefante é trabalhado de dentro (de casa) para fora (de casa). Uma inversão nas edições dos fluxos neoliberais, das ações terroristas, em que o dentro precisa ser o fora, imprimindo, à força, uma crença, um impulso no contexto de um corpo desapercebido.
Cena 11 pede calma aos exemplos e cuida de suas pessoas expandindo aquilo que foi entendido como sua aparência. O grupo publica sua crise agindo diretamente nesse mesmo mundo que, por vezes, prejudica.
Não seria esse o risco de grande parte daqueles que trabalham com arte: ressignificar o tempo de vida em função das várias qualidades de morte atribuídas a ele?
Protocolo Elefante tem data de estreia para março de 2016. Estreia do que, ainda não é possível imaginar.