CARTAS, Ítalo Campos para Wagner Schwartz [2017 — 2018]
© Laenia Costa
Ítalo Campos
Início da conversa no bate-papo
Vocês são amigos no Facebook
Trabalhou como Bolsista na empresa UFC ARTE - Secretaria de Cultura Artística
Mora em Fortaleza
18/2/2017 16:42
Ítalo Campos
Oi, Wagner. Tudo bem?
18/2/2017 17:56
Queria conversar contigo sobre um projeto meu.
Tu prefere e-mail ou pode ser por aqui mesmo?
Digo, você gostaria de saber sobre ele?
Wagner Schwartz
Olá, Ítalo, mande por e-mail, por favor.
@wagnerschwartz.com
Beijos pra você
Ítalo Campos
Obrigado! Beijos pra ti também.
21/2/2017 15:54
Ítalo Campos
E-mail enviado. Desculpe a ansiedade.
Ítalo Campos <@gmail.com>
21 de fevereiro de 2017 12:53
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Bom dia, Wagner,
Aqui no Ceará é de dia ainda. E chove!
Segue um doc em anexo.
Obrigado por me escutar.
Espero poder te ouvir também em breve.
Abraço.
Ítalo
FORTALEZA 21/02/2017
Querido Wagner,
Eu não lhe conheço pessoalmente, por isso, desculpa a demora em escrever: estava querendo causar uma boa impressão. Eu queria escrever algo bonito.
Já faz algum tempo.
Conheci o seu trabalho em 2015, durante a cadeira de Análise das Obras Coreográficas, na graduação em Dança na Universidade Federal do Ceará. Se não me engano, a cadeira ministrada no segundo semestre pela professora Thereza Rocha, coincidiu com o prêmio APCA daquele ano, que quase foi entregue a La Bête.
Espere um minuto… Conheci você um pouco antes.
Em um post de 12 de junho de 2015, no grupo de Facebook do LAS (Laboratório Abrigos Sensíveis, grupo de pesquisa da UFC que parte da poética de Hélio Oiticica e Lygia Clark para pesquisar dança), eu escrevi assim, junto de um vídeo de Transobjeto (que parece não estar mais disponível):
“Apesar de a pesquisa do Wagner tangenciar outras questões que não as que vislumbramos na obra do Hélio e da Lygia, ele se apropria dos conceitos de suas obras, principalmente no que concerne à relação corpo-objeto e estrutura espacial do objeto (percebo uma "coisificação" do corpo, corpo-matéria-no-espaço-tempo) para falar de questões de identidade cultural, multiculturalismo, etc.”
Eu estava tentando “falar bonito”, pois queria exercitar a tal escrita “de crítico”. :P
Eu te achei depois de quebrar a cabeça lendo um texto do Hélio sobre os Parangolés, em um catálogo chamado, se não me falha a memória, O Museu é o Mundo. No texto, Hélio faz alusão ao conceito de transobjeto. Dei um Google e você apareceu.
Acontece que ninguém no grupo deu muita bola pro vídeo e eu me esqueci de você. Até me deparar, devido à cadeira de Análise que mencionei lá em cima, com o texto da Helena Katz sobre La Bête. O texto da Helena é sofisticado e conciso, dando camadas de entendimento sobre a obra que me deixaram desconcertado. Eu me apaixonei, de certa maneira. Eu não sei exatamente quando me dei conta disso, mas cheguei de fato à conclusão de que gostaria de trabalhar com você.
Caso estejas minimamente interessado, me respondas com uma afirmativa, daí tentarei falar mais sobre mim e sobre o projeto que estou tentando desenvolver no momento. O modo de escrita aqui operado já é parte dele.
Um abraço.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
22 de fevereiro de 2017 06:36
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Bom dia, Ítalo,
Segue doc em anexo.
W.
PARIS 22/02/2017
Ítalo,
Os artistas se conhecem pelo trabalho, não?
Agora são 10h da manhã aqui em Paris. Está frio. O dia começou cheio de tarefas e, uma delas, é ler a sua carta. No jeito como você trabalha seu texto, me lembrei da Lispector (que está na minha estante e que não passeia comigo há algum tempo): “Vejo sua cara queimada de sol, cara inteiramente inconsciente da expressão que tem, toda concentrada que está como um bicho bonito (...)”. Obrigado por me mandar o que escreveu, e também pelo movimento que inclui escrever uma carta.
É interessante ver meu trabalho aparecer e desaparecer em alguns lugares. Por vezes, tenho a impressão de que ele não gosta muito de sair de casa, que gosta mesmo é de estar sozinho e, surpresa, “trabalhar a dura matéria, move a língua; viver quase a sós atrai, pouco a pouco, os absolutamente sós”, como disse a Llansol.
Nos últimos dias, ando visitando meu tutor maior, o Oswald (leia-se Os-vál-di, diferente da vontade do brasileiro querer ser gringo e acentuar a primeira sílaba de seu nome). Seu livro, que me ajudou a pensar Transobjeto, chama-se Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade, e o poema que o inaugura abriu a minha cabeça em três partes (para evitar dizer “ao meio”): Amor/ Humor. Se tirarmos o “H” (essa letra sem som), vemos que a distância entre o amor e o humor é de apenas três vogais (e-i-o). Estão mais próximos do que pensamos — ou, ainda, para o Oswald seria assim, como também para Pagu.
Pode ser que agora você ainda esteja dormindo, pode ser que não, então espero que esta resposta chegue até você a partir das impressões fragmentárias do acordar e do sonhar, como aprendi ao ler o início do romance proustiano.
W.
Ítalo Campos <@gmail.com>
23 de fevereiro de 2017 04:09
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Desculpe a demora em responder.
Há duas cartas em anexo.
Até breve!
Ítalo.
FORTALEZA 22/02/2017
Wagner,
São 9 horas da manhã em Fortaleza. Acordei às 7 da manhã com o celular do meu colega de quarto apitando insistentemente. Ele tinha saído e, por mais que eu tentasse desligar o alarme, o celular voltava a apitar.
Faz sol na capital do Ceará. Fui tomar café no Restaurante Universitário e, quando voltei, vi, um pouco incrédulo, que você havia respondido a minha carta.
Eu ri.
Bem, pra falar a verdade, eu GARGALHEI.
Enquanto lia sua carta, uma moça me chamou no WhatsApp. É sobre uma entrevista que fiquei de dar hoje. Sem querer me vangloriar — pois não se trata, sem dúvida, disso —, daqui a pouco vou dar uma entrevista pro caderno de cultura do Diário do Nordeste, um jornal local. A pauta é: “pessoas que tiveram a vida transformada pela arte”.
Por algum estranho motivo essa pauta me lembra Clarice Lispector e sua influência no meu modo de imaginar o mundo. Ora, foi ela quem me deu Macabéa — com quem, ouso dizer, sou muito parecido em minha solidão. Uma solidão que é quente, ardida e vulnerável. Solidão de Macabéa: nordestina, retirante. Solidão que vagueia e delira, como a solidão de alguém que dança sozinho em seu quarto, sem plateia, somente pra si mesmo. Sinto que carrego Macabéa aonde quer que eu vá: agridoce melancolia que o movimento atravessa. É dessa melancolia que desejo falar, Wagner, sobretudo dela.
Ítalo Campos
FORTALEZA 23/02/2017
Wagner,
São 2 da manhã. Passei o dia de ontem tentando adiantar as coisas que tinha que fazer pra escrever pra ti. Precisava deixar que as tuas palavras entrassem, queria “re-parar” nelas, como João Fiadeiro nos incita a reparar nas coisas.
Tenho de dizer, bem academicamente, que fui atrás da etimologia da palavra "humor". Descobri que ela vem mesmo do latim umor e se relaciona com umere: “estar molhado, úmido”. E que "amor" atravessa o tempo, vindo do latim, igualzinho: amor. Engraçado você citar o Oswald e Amor/ Humor, porque é como se você me desse uma deixa pra eu falar de Leonilson, o artista plástico cearense que parece ser pra mim, atualmente, o que Oswald (às vezes ainda leio Ósvald, em vez de osvÁld.) parece ser pra você.
Falar de Leonilson é falar das palavras de Leonilson: verdades-ficções. Palavras que ele esculpia em suas obras como máscaras de carnaval, antropófagas, devorando identidades certinhas, confundindo, assim, arte e vida:
"Voilà mon coeur, il vous appartient (sic), ouro de artista é amar bastante."
É preciso certa atenção pra confundir as coisas, certa atenção desfocada: a-tenção que nos permita sermos tocados pela beleza comum das coisas. Amor e humor, arte e vida, verdade e ficção. É preciso aprender a confundir as coisas. É preciso aprender também a nos confundir.
Em breve, explico melhor o convite que tenho a lhe fazer, mas desde já é um prazer imensurável conversar contigo.
Obrigado.
Ítalo
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
23 de fevereiro de 2017 06:05
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Ítalo,
De hoje até a semana que vem os meus dias vão estar bem curtos. Continuo a ler as suas cartas pela manhã. Respondo seus e-mails aos poucos. É interessante ver que os artistas que dormem conosco se mostram já nas primeiras trocas de mensagens — como são ciumentos. Talvez tenha faltado te falar do meu diretor de cinema brasileiro favorito, o Eduardo Coutinho, mas isso virá daqui a pouco.
W.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
23 de fevereiro de 2017 06:09
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
PS. Acho que você não precisa se desculpar tanto. Essas desculpas não criam um espaço de liberdade entre a gente.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
23 de fevereiro de 2017 06:35
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Aqui estão os trabalhos que você mencionou na sua carta. Tirei todos do ar. Agora podem ser vistos e utilizados apenas para uso educacional.
LaBete.mov / Transobjeto2004.mp4 / Transobjeto2015.mov
Ítalo Campos <@gmail.com>
25 de fevereiro de 2017 14:11
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Caramba, muito obrigado pelos vídeos!
Escrevi algo sobre eles.
Tranquilo se não puder responder logo. Estou de férias da graduação, por isso aproveito pra escrever bastante.
Um abraço!
FORTALEZA 25/02/2017
Wagner,
Hoje é sábado de carnaval.
Eu precisei, talvez por causa disso, reler o conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles.
Lygia tem um estilo de escrita que me emociona de um jeito absurdo. Seus textos são como ímãs, com linhas de força mexendo comigo. Nesse texto que acabei de ler, como em muitos outros, a atenção que ela dá aos objetos na narrativa (lantejoulas, vidro de cola, crisântemo, etc.) constrói imagens que falam das coisas para além da sua suposta condição de objeto. Os objetos, em Lygia, parecem condutores de sensação e sentido: as coisas, se tiradas de sua condição banalizada, parecem sussurrar mil palavras. Sons irreconhecíveis.
Em 1966, Drummond escreve uma carta para Lygia, em que diz:
“Sua grande força me parece estar no psicologismo oculto sob a massa de elementos realistas, assimiláveis por qualquer um. Quem quer simplesmente uma estória tem quase sempre uma estória. Quem quer a verdade subterrânea das criaturas, que o comportamento social disfarça, encontra-a maravilhosamente captada por trás da estória.”
Recusando aqui certa “verdade subterrânea das criaturas”, e mais interessado nas ficções que o artista pode inaugurar no que quer que seja, onde quer que seja, é que invoco a obra de Lygia Fagundes Telles para falar do que me atrai em Transobjeto e La Bête.
Os objetos de Lygia Fagundes Telles parecem ter, por menor que seja, algo em comum com os objetos de Lygia Clark, na medida em que não estão lá tão somente como representações reconhecíveis: não se trata de coisa funcional e inteligível, apenas a serviço de uma narrativa onde o homem seria, ele mesmo, o grande protagonista detentor das sensações e significados. O que faz o texto de Lygia, assim como as obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark tão potentes, é a percepção da dimensão sensível existente em tudo que há: um saco de batatas, um saco de supermercado, uma pedra. Esses objetos, costumeiramente esvaziados de sensibilidade pela vida cotidiana, possuiriam também, nessa falha perceptiva, uma dimensão de vazio-pleno, como nos lembra Lygia Clark: potência de abertura para aquilo que ainda é inominável, abertura para improváveis destinos através da relação.
Assim, consigo vislumbrar nas obras que você compartilha comigo, microscopicamente, certa incursão humana pelo território do transobjeto, de um devir Objeto Relacional como possibilidade da condição humana: (1) ao tratar o homem como algo que teria, a partir de sua materialidade, alguma coisa em comum com um saco plástico ou um bicho (a possibilidade de desierarquizarmos, assim, a relação sujeito-objeto), e (2) ao propor, no abandono da nossa condição de sujeito, que lidemos com certo vazio que se constitui a partir daí. Vazio que aqui não será confundido em nenhum momento com qualquer espécie de falta, mas como potencial de falha: potência de abertura da vida ao indeterminado. Espaço aberto a outros modos de existir.
Um abraço pra ti.
Ítalo
PS1: Entendo que a dinâmica das cartas não prevê nenhum tipo de reciprocidade obrigatória. Por isso, quando estiveres muito ocupado, eu entenderei.
PS2: Quando escrevo pra você, escrevo também pra mim.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
28 de fevereiro de 2017 11:45
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
PARIS 28/02/2017
Ítalo,
Você também tem essa coisa? Se é carnaval, ao invés de sair de casa, ou para sair de casa, você recorre a um livro? Fico pensando o que seria esse jeito de estar no mundo e se ele seria também um “condutor de sensação e sentido”, como você diz em sua carta sobre os objetos de Lygia F. Telles. Seria isso passar da virtualidade à rua?
Li o conto Objetos no livro Antes do Baile Verde e, realmente, cada um dos objetos que ela escreve têm vida, mas, infelizmente, para ganharem sentido, precisam ser manipulados. Um “cinzeiro sem cinza” vive na sua estabilidade de coisa, com muito a dizer sobre essa estabilidade. Não acredito que, para deixar de ser banal, precise do superimportante ser humano. Se me aproximo do cinzeiro, é para me encinzeirar e não o contrário. Acho que esse é o momento em que me afasto um pouco da literatura, porque ali o homem ficou grande demais e a palavra tem história demais e evita o contato com o dia a dia para não se perder, para não deixar de ser palavra humana.
Consigo me aproximar muito mais de sua carta que do conto de LFT. Na sua carta, o homem não é o “protagonista detentor das sensações e significados”, mas aquele que sugere uma relação entre as sensações e significados. Você aponta elementos que vão construindo sua forma de pensar (o carnaval?).
É verdade que a LFT vê potência em tudo o que há, mas é Lygia Clark quem traz para a atualidade a matéria viva desses objetos e os coloca em relação com as pessoas, para que elas deixem seu lugar de pessoa e experimentem o como-podem-vir-a-ser-conhecidas.
Se um objeto serve a alguém, poeticamente, ele deixa de ser interessante. Repete os caprichos dos seres humanos. Mas, se ele entra na casa das pessoas e passa a morar ali com elas, enquanto objeto, alguma coisa muda na relação. A relação das pessoas com o mundo também muda.
Não são apenas as pessoas que irão experienciar as coisas em uma galeria de arte, mas as coisas estarão, também, olhando e projetando em cada uma dessas pessoas a sua sensibilidade de ser coisa. (Me parece que você é um desses que gosta de ser animado pelas coisas — pelos livros).
Sim, em Transobjeto, os objetos e eu estamos conversando. Cada qual age como quer: a manga, por exemplo, quando a espremo, ela explode sempre — já me agrediu, espirrando sua polpa dentro dos meus olhos; já me fez bem, deixando seu suco escorrer pelas minhas mãos. Transobjeto não dá para ensaiar.
Sim, em Transobjeto (como em La Bête ou em meus outros trabalhos) não existe sujeito, mas pessoa. E, ao entrar em contato com os objetos, pode haver conexão, nem “falta” nem “falha”. A relação é simples, ela não tem tradução psicológica: uma coisa encaixa na outra ou não.
Espero que esteja se divertindo por aí. Daqui a pouco chego no Brasil. Parece que o sol vai estar mais forte.
W.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
1 de março de 2017 07:17
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Ítalo Campos <@gmail.com>
1 de março de 2017 22:14
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Há dias em que a gente não encontra as palavras. Ou seria o contrário?
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
2 de março de 2017 05:10
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
!
Ítalo Campos <@gmail.com>
2 de março de 2017 19:16
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Essa carta foi difícil de escrever.
Abraço, querido.
Obrigado por me leres.
FORTALEZA 02/03/2017
Querido Wagner,
Passei os últimos dias me distraindo. Mas essa minha distração, diferente da distração da mulher que matou os peixes (a própria Clarice Lispector), tinha algo de proposital: evitar a hora de ser mais objetivo, tentar evitar a dor que é escrever com um propósito.
Preciso te contar algumas coisas que ainda hesito.
É que, de uma hora pra outra, comecei a usar vestidos floridos. Em agosto de 2016. Em Fortaleza.
Fiz isso pra falar de amor: depois que Edu foi embora e eu não tinha mais ninguém pra amar. Fiz isso pra falar do meu corpo afeminado, não-branco, magrelo. Corpo de não-bailarino. Soropositivo.
Comecei a usar vestidos floridos por causa do Hélio Oiticica, da Lygia Clark e do Leonilson. Porque a experiência supostamente dançada das salas de ensaio já não dava conta do que eu entendia como dança — dança aqui sendo vista como campo múltiplo que, em sua multiplicidade, me dizia assim: "Teu corpo precisa inventar uma dança. Teu corpo precisa inventar um amor".
Mas foi pra fugir do amor que eu me pus em vestidos: eu acreditava, piamente, que um corpo como o meu, assim, coberto de vestidos, causaria algum curto-circuito na dinâmica que eu seguia no amor. Eu queria, farto de ser não amado, finalmente poder dizer que quem não me amava tinha um real motivo pra não me amar — e era eu quem assim tinha decidido. Usar vestidos era uma tentativa de dizer: eu não preciso do amor.
E usar vestidos também era sobre o Ceará: sobre o Maciço de Baturité e os seus campos de flores. Sobre minha avó, D. Maria, emigrante da cidade que leva o nome da Serra.
Usar vestidos floridos era ainda sobre a bruta flor do querer, de Caetano; sobre uma certa Moça com flor na boca, descrita pelo cronista cearense Airton Monte; sobre o Perigoso, de Leonilson. Iaiá em seu jardim, de Raquel de Queiroz, também me dizia qualquer coisa sobre usar vestidos floridos. Não posso esquecer de Maggie Cheung em Amor à flor da pele, camuflada em seu vestido florido entre flores de plástico e cortinas: mulher-flor-objeto.
Gostaria de encerrar, por enquanto, dizendo que uso vestidos floridos pelas ruas de Fortaleza também por causa da Hérica. Hérica é uma travesti que, em uma madrugada de sábado pra domingo do último fevereiro, foi espancada por 20 homens. Do alto de uma passarela, ela foi jogada no meio de uma das principais avenidas da cidade. Hérica, desde então, encontra-se em coma, mas — absurdamente, e para que o céu não caia sobre as nossas cabeças — insiste em permanecer viva: bruta flor nascida no asfalto.
Drummond, sem dúvida sobre Hérica, nos diz assim:
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Acho que você acertou em cheio quando desconfiou, em sua última carta, que sou o tipo de artista “que gosta de ser animado pelas coisas”. Digo “artista”, porque “pessoa” e “artista” são hoje palavras sinônimas pra mim. Acredito cegamente que a humanidade tem vocação para a arte, tanto quanto tem vocação para a vida — e que qualquer possibilidade real de existência, definitivamente, não pode prescindir da arte.
Por isso precisei dançar, meu caro Wagner. Porque é dançando que eu, frágil flor, descobri maneiras de romper o asfalto.
Um forte abraço.
Ítalo
Ítalo Campos <@gmail.com>
3 de março de 2017 11:45
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Resolvi reescrever a carta anterior. Achei-a pouco cuidada e muito presunçosa.
Um abraço.
Ítalo
Fortaleza02032017.docx.docx 7K
Ítalo Campos <@gmail.com>
3 de março de 2017 12:19
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
3 de março de 2017 14:13
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Li a primeira carta. Achei bonita, dolorida. E, agora, chegou a segunda. Não dá mais pra não ler a anterior. Penso numa resposta que vem daqui a pouco. Enquanto isso, me fale mais sobre essa dança que você quer dançar.
Ítalo Campos <@gmail.com>
4 de março de 2017 11:19
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Vou te mandar o projeto do meu TCC, porque ele dá um background pra ti. Enquanto você o lê, vou escrevendo mais cartas, falando de onde a pesquisa se encontra nesse momento. Sou o tipo de pessoa que detesta escrever pra si, ou apenas pra tentar satisfazer o desejo das instituições, editais, etc. Essas cartas provavelmente serão a primeira descrição daquilo que venho fazendo nos últimos meses.
Ítalo
escritos_frágil_versãoultrafinalblast.docx 523K
Ítalo Campos <@gmail.com>
6 de março de 2017 19:12
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Olá, Wagner
Confesso que já estava com saudades de escrever pra ti.
As próximas cartas são relatos. Caso algo lhe interesse um pouco mais em alguma delas, ou não tenha ficado muito claro, me avise.
Um abraço.
FORTALEZA 06/03/2017
Meu querido Wagner,
Faz uns dias que estou doente — resfriado e febre —, por isso a redução do ritmo de cartas. Durante esse tempo não parei de pensar, um instante sequer, na história dos vestidos, nas cartas não escritas e, principalmente, na entrevista que saiu esses dias num jornal impresso local, onde falo, pela primeira vez, sobre a minha condição de soropositivo publicamente. Por hora, por mais doloroso que seja sair um pouco da atenção ao presente, preciso lhe contar algumas coisas do passado. Te apresentar o Edu e o Dani, duas pessoas pelas quais me apaixonei perdidamente em 2015.
Primeiramente, o Dani.
Esse rapaz foi um capricho do meu coração: em um dia meio boring de setembro, olhando distraidamente o Facebook, decidi que iria achar alguém por quem pudesse me apaixonar.
Esse alguém foi ele.
Eu o havia conhecido há uns meses, num bar de Fortaleza chamado Mandembe. Ele estava muito bêbado e me beijou de uma forma, digamos, muito bêbada… o que fez com que eu o rejeitasse logo de primeira. Ele passou a festa inteira querendo me beijar outra vez, mas eu não quis de jeito nenhum. Nos meses seguintes, acabamos nos esbarrando algumas vezes, por acaso, na cidade (Fortaleza, como dizem, é um ovo) e eu, encantado pelos olhos famintos de alguém de 1,60 de altura, com dentes “levemente” entramelados — nossa, quando foi que passei a amar tanto a boca dele? —, acabei dando meu contato para o rapaz, mas sem criar muitas expectativas. Então, ele me adicionou no Facebook. A gente curtia as coisas um do outro, mas, mesmo assim, nunca nos falávamos. Toda vez que pensava nele, até então, eu me lembrava daquele beijo de bêbado e dizia comigo mesmo: MELHOR NÃO. Mas daí, do nada, resolvi que ia me apaixonar pelo Dani.
Como disse, a gente se conheceu num bar chamado Mandembe. Depois que encasquetei que ia me apaixonar por esse menino, saí no sábado a noite para a região desse bar, na esperança de me encontrar com ele — nessa época, eu estava completamente enjoado do Mandembe, então me recusava convictamente a ir nesse lugar, mesmo que o novo amor da minha vida estivesse lá — adendo para que você entenda o meu nível de loucura: eu nem mesmo sabia se ele de fato estaria lá, eu só tinha, digamos, a intuição. Acabei, finalmente, indo parar em um show na Praça Verde, no Dragão do Mar, centro cultural onde as coisas costumam acontecer em Fortaleza. Passei o show todo atrás desse menino e nada! Até que, quando resolvi ir embora, cruzei com ele na porta de entrada. Que susto! Eu parei. Ele parou. Eu sorri. Ele sorriu também. O mundo parou — e sorriu — conosco. Por dois segundos. Disfarçando o constrangimento, eu disse simplesmente: “depois a gente se fala”. Chegando em casa, tomei coragem e falei com ele no Facebook.
Wagner, eu tenho 27 anos. Ou melhor dizendo: Wagner, eu tenho 27 e nunca tive um namorado. Então, quando conheci esse menino, havia em mim uma espécie de propósito: eu queria muito ter um namorado! Eu vinha de uma série de abusos em torno de sexo casual em aplicativos de pegação, saunas, etc, e, apesar de achar tudo isso muito divertido, sempre achei tudo isso muito perigoso também. Principalmente pra mim, um cara soropositivo. Daí eu não apenas resolvi que iria me apaixonar pelo Dani, como resolvi também que iria ter um namorado — e esse bendito seria o Dani! Acontece que ele não só não estava interessado em ter um namorado, como também não estava sequer interessado em se apaixonar por mim. Ele queria apenas passar um tempo comigo. Não posso negar: ele sempre deixou isso bastante claro, mas tampouco isso impediu que eu, cegamente, me apaixonasse por ele cada / dia / mais. E, ao mesmo tempo, eu era um pouco cruel com ele e comigo mesmo: como eu queria porque queria ter o diabo de um namorado — e como sabia que provavelmente ele não seria o que eu queria — eu, apesar de total e completamente embasbacado por ele, e de saber que ele sabia perfeitamente que eu estava apaixonado por ele, mesmo assim, dissimulava, ignorando-o por dias; ou era autoritário: exigia dele exatamente o que eu queria. Com o Dani, eu experimentei o desejo como falta, e esse foi um ato decisivo para o que acontecerá a seguir, com Edu e os vestidos.
No dia em que eu e Dani rompemos de vez, num sábado de outubro sob o planetário Rubens de Azevedo, no Dragão do Mar, eu tinha comprado uma rosa branca pra ele. Também tinha preparado todo um pedido de desculpas por tudo aquilo que eu achava que tinha feito, mas já era tarde demais — ou, talvez, sempre tenha sido tarde demais —, e tudo bem, né? Não é culpa minha. Nem dele também. Tudo que ele me disse, meio sem graça, foi que não queria mais me ver, que não podia continuar com aquilo. Atônito, tudo que eu disse foi: “Tudo bem. Não concordo, mas tudo bem.”
Seguiram-se dias de choro e ranger de dentes.
Até a próxima carta,
Ítalo
Ítalo Campos <@gmail.com>
9 de março de 2017 13:11
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Oi, Wagner,
Tudo bem?
Aí vai mais uma carta.
FORTALEZA 09/03/2017
Olá, Wagner,
Estou quase completamente curado da gripe que mencionei na última carta. Agora, me sinto ansioso pela escrita desta, ainda que saiba que ela será muito pobre se comparada à experiência a que ela remete. É que Edu foi algo tão desmontante — uso uma palavra feia de propósito, de tão estranho que é lidar com ele aqui dentro, se mexendo — que até hoje não sei dizer muito bem o que se passa. Talvez, por isso mesmo, seja tão importante contar.
Edu.
Eu o conheci no mesmo bar e na mesmíssima festa onde conheci o Dani.
Fui nessa bendita festa cerca de um mês depois que o Dani e eu terminamos, só pra mostrar para aquele fedelho de 22 anos que eu estava vivo — e que, apesar de ele ter me abandonado, eu estava bem. O que não era lá uma grande verdade, considerando que as últimas semanas, pra mim, tinham se resumido a 1. chorar em posição fetal, 2. stalkeá-lo no Facebook, e (principalmente) 3. transar com um monte de homens desconhecidos.
Depois que ele me deixou, fiquei convencido de que a minha natureza era a da solidão, e que o meu corpo, num movimento ontológico, não era feito para o amor. Consequentemente, tudo que restava pra mim, na minha cabeça, era transar com todos os desconhecidos que eu tivesse oportunidade, pra poder, assim, quem sabe, finalmente alcançar um sobejo qualquer daquilo que eu tanto queria, daquilo que eu imaginava ser o amor. Em contrapartida, comecei a catalogar todos esses homens, como num inventário de objetos que eu ia usando e jogando fora. Em um caderninho, colocava nome, idade, cor, tipo físico e uma pequena descrição da “performance” do indivíduo.
Brancos, negros, magros, altos, gordos, baixos, afeminados, machos, velhos, carecas, jovenzinhos, etc. Foi uma época de pouco ou nenhum critério. Se quisesse transar comigo, eu transava. Pra isso, passava o dia on-line na droga do Grindr. Obviamente, me meti em algumas, ou melhor, em várias enrascadas, como não poderia deixar de ser quando você aceita transar com uma pessoa depois de 15 minutos de conversa on-line. Dois ou três encontros resultaram em experiências boas o suficiente para serem lembradas. Até que…
Fecho os olhos e ainda o vejo, nitidamente. No escuro da pista de dança, ele brilhava. Não, isto não é uma simples metáfora: a camisa branca de botão que ele usava de fato refletia as luzes da boate. A sua dança, assim, parecia a dança de um espírito: inatingível, descontrolado.
Antes de sair de casa, naquele sábado, meu coração só faltava explodir. De algum modo, já sabia que iria encontrá-lo naquela noite. Quer dizer: meu coração sabia. Quando saí de casa em direção à Praia de Iracema, saí pensando que iria acontecer alguma coisa entre mim e o Dani — é engraçado constatar que a nossa parte racional não sabe de nada: ela quase sempre se apega facilmente à lógica dos acontecimentos, a lógica dessa vidinha supostamente previsível que a gente criou.
Quando cheguei à Rua dos Tabajaras, a rua do Mandembe, já não havia ingressos à venda.
Eu tinha ido numa festa antes e havia ficado por lá até tarde. Essa festa estava incrível, mas o meu coração, de repente, começou a insistir para que eu fosse no Mandembe — e eu, por mais doloroso que seja, não costumo desobedecê-lo. Este meu coração não parecia intimidado, e, pra minha surpresa, um amigo (na verdade, um simples conhecido de Facebook que já estava indo embora) me ofereceu sua pulseira de entrada — garantindo assim, pela intervenção do destino, que eu pudesse viver aquilo que se passaria dali a alguns instantes.
Quando entrei no Mandembe, a primeira coisa que meus olhos fizeram foi procurar pelo Dani. E lá estava ele. Na pista de dança, tocava Crazy in Love — as pessoas da minha geração tem algum tipo de fascinação inexplicável por essa música, e não me leve a mal, eu até respeito isso, mas, particularmente, acho que não passa de uma musiquinha ok — e o Dani, como é típico de uma pessoa nascida nos anos 90, ao ouvir essa música, estava tomado por um demônio no meio do salão — um demônio retardado, sem dúvida, mas isso não vem ao caso. O importante mesmo era que ele estava lá e que eu mostraria passar muitíssimo bem sem ele.
Enquanto tentava mostrar o quão bem estava — de longe, bem escondido e afastado dele no salão —, um homem começou a dar em cima de mim. E eu, sem perder tempo, logo demonstrei interesse: era a chance perfeita pra mostrar praquelezinho que eu estava realmente ótimo sem ele. Só que quando o homem me beijou foi um desastre: o beijo dele era horrível. Mais que horrível, terrível! Daquele tipo de beijo que tem mais dentes do que língua e mais língua do que lábio. Em suma: um horror! Eu, pra não ser assim tão rude, ainda fiquei um tempo com ele, mas, na primeira oportunidade, escapei, saindo de fininho da pista de dança em direção à varanda da boate. Sentei num banco, morrendo de ódio: além de não conseguir impressionar o Dani, aquela festa estava tocando as mesmas músicas de sempre. Daí, pra piorar, o rapaz de beijo horrível me achou (!) e, não satisfeito, veio me beijar de novo (!!) — e dessa vez foi pior ainda (!!!).
Eu, sentado lá na varanda me fazendo de doido. Ele chega e, ignorando completamente a minha esquiva, força um beijo até que eu ceda — mas aquele beijo era tão horrível, mas tão horrível que eu só consegui aguentar aquilo por dois segundos, e já ia tirando ele de cima de mim pelo amor de Deus, quando, de repente, percebo que o Dani tá do nosso lado (!!!) e eu, logicamente, de uma forma muito… madura, imediatamente fingi estar no melhor beijo da minha vida: se tinha uma pessoa que estava amando aquele beijo, esse alguém era eu, não tenha dúvida!
Quando acabei a minha (dolorosa) cena pro Dani, ele já não estava mais lá. Dispensei rapidamente o homem de beijo ruim e saí procurando desesperado por ele, mas não o vi mais. Nesse momento, a pulseira que o meu conhecido-de-Facebook tinha me dado quebrou, pois é feita pra ser intransferível. Assim, eu estava preso lá dentro. Caso fosse atrás dele lá fora, e ele não estivesse, eu estaria no meio da rua sozinho e sem ter pra onde ir às 4:00 am, e acredite, Fortaleza não é o lugar mais legal o mundo pra se andar às 4 da manhã.
Wagner, eu geralmente não bebo. Mas, às vezes, quando algo importante vai acontecer, eu faço isso. Ou quando eu preciso, urgentemente, parar de overthinking.
Um dia, logo após terminarmos, eu enchi a caixa de entrada do Dani de mensagens perguntando, entre outras coisas, como ele conseguia, de forma tão natural, me deixar, se eu era realmente tão desimportante assim, que nem minha falta ele sentia, ou se eu era uma pessoa tão horrível a ponto de ser um alívio me deixar, blá blá blá... Ao que ele respondeu, simplesmente: "Calma, Ítalo! Calma. Você está overthinking". Bem, eu nunca tinha ouvido essa palavra, mas ela era tão bonita: overthinking, overthinking... Ele devia estar querendo dizer com essa palavra que eu estava pensando demais. Overthinking. Superpensando... Superpensamentos... Algo se partiu naquele momento: eu estava overthinking.
Pois bem, eu estava bebendo. Sim, estava bebendo para não estar overthinking. Bebendo pra esquecer. Para, quem sabe, conseguir me entorpecer do presente, para que talvez a música, as luzes coloridas, as pessoas, a minha blusa de manga comprida, a calça jeans e o sapatênis de cadarços vermelhos pudessem finalmente fazer algum sentido. Finalmente, comecei a dançar. Não lembro como eu estava dançando, mas depois ele me disse que foi isso que lhe chamou atenção: alguém que dançava como se fosse livre. Enrubesci. Ele também dançava como alguém que fosse livre: falso brilhante cujo esplendor, deslumbrado, quis todo pra mim.
Quando ele olhou nos meus olhos, estava tocando Dancing Queen, do Abba. Lembro como se fosse hoje. Ele de branco, a barba espessa, os olhos cansados. Ele começou a chacoalhar os braços como eu estava fazendo, de um jeito meio kitsch, propositalmente kitsch. O meu coração começou a gritar: "É ele". Depois o meu cérebro, claramente overthinking: "Você vai se entregar dessa maneira, de novo?" E o meu coração — que leu Laurence Louppe e sua Poética da Dança Contemporânea, apreendendo qualquer coisa sobre a temporalidade circular da dança, temporalidade esta não explicada por qualquer lógica simplificada de causas e efeitos — respondeu, sem nem ao menos pestanejar: "Vou!" Pois, pode ser que ele seja diferente dos outros, pode ser que ele me ame de verdade, pode ser que...
Por obra do DJ — que devia, esperto, estar vendo tudo de sua cabine —, de repente, às 4 e meia da madrugada, a voz da Gal invade, maravilhosamente, a pista de dança: “Meu be-em…” Nesse momento o mundo inteiro, isto é, o espaço entre o meu corpo e o dele, começou a tremer. Ele me abraçou. Eu o abracei também, ignorando completamente a mensagem na minha cabeça que dizia, em looping, “esse cara vai destruir a tua vida”; “Foda-se! Não importa!”, era a resposta do meu coração. De fato, eu realmente daria a ele, de bom grado, o poder de destruir tudo aquilo que eu conhecia até então.
Preciso fazer uma pausa agora.
Ressalto desde já, meu querido Wagner, que é daqui em diante que surgirá mais claramente a necessidade de que arte e vida andem juntas na minha história — para que, assim, por meio do encontro entre elas, eu finalmente possa me liberar dos sintomas do desejo como falta. Foi a partir desse ponto que precisei, a fim de dançar como alguém que fosse livre, recorrer ao amor. Há, a partir daqui, uma Via-Crúcis: uma dolorosa tentativa de abrir caminho através do amor, um caminho que conjugue, desesperadamente e como prática de liberdade, o fato e a ficção.
Abraço.
Ítalo
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
18 de abril de 2017 17:06
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Uma pena que só consegui tempo para ler seus e-mails e cartas hoje.
A carta resposta está em anexo.
SÃO PAULO 18/04/2017
Ítalo,
Espero que sua dor tenha passado. A minha começou. Talvez tenha ficado overthinking após a leitura de suas últimas cartas. (Como os americanos conseguem vender tudo, até mesmo o pensamento. Estou impressionado.)
A questão principal é que agora existem três pessoas na minha cabeça — você, Dani, Edu — e esse monte de coisas ao redor de vocês que aos poucos vai virando texto. As suas cartas, até hoje, são cheias de outros, presenças importantes que ganham tônus a partir de uma ação externa.
Como estou em São Paulo e a vida aqui passa rápido, fica difícil ler você com assiduidade. Em Paris, tenho mais tempo. Posso me dedicar mais. Mas gosto também de inventar o Ítalo, que aparece e desaparece, que tem uma voz na minha cabeça e um jeito de ser particular.
Pensei num livro para você, O deslumbramento, da Marguerite Duras. Acho que ele contextualiza a sua relação com o corpo do outro e a “palavra buraco, em que tudo cabe”.
Tenho lido Pagu. Estou na metade de Parque industrial. A Pagu é bem menos intensa que a Duras, é safada ou enxerga as coisas como vivem na rua, sem ter de trazer cada uma para dentro de casa.
Espero continuar lendo suas histórias. Tenho muitas perguntas na cabeça. Aguardo os próximos capítulos. Quem sabe uma ou outra estará à espreita?
W.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
18 de abril de 2017 17:08
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
PS. Escrita de TCC me interessa bem pouco. Continuarei lendo as suas cartas, onde seu projeto aparece enquanto objeto.
Ítalo Campos <@gmail.com>
2 de maio de 2017 09:35
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Oi, sei que você não gosta de desculpas, mas eu precisava (senti necessidade, a fim de continuar a te escrever) explicar de algum modo o meu silêncio.
Escrevo mais, muito em breve.
Ítalo.
PS: Vou tentar ler o livro da Marguerite, me interessou de algum modo.
FORTALEZA 02/05/2017
Wagner, eu estava explodindo.
Na verdade, eu explodi.
Agora quem te escreve é outro Ítalo, de cinzas.
Estive pensando, esses dias, em porque não queria me esconder, mas tive — e ainda tenho — medo de parecer insuficiente. Forçosamente, me calo nessas situações. O silêncio se converte, então, numa ferramenta que, mesmo pouco confortável, permite que eu não enlouqueça.
Sinto que preciso desses intervalos de tempo. É como esperar, digo, na verdade, é esperar mesmo, é esperar até ter algo minimamente importante a dizer. Senti muita saudade de falar contigo. Saudade de conseguir falar.
Pensava em você quase todos os dias, mas não sabia bem o que dizer. Não queria te amolar à toa. E sobretudo meu coração estava disperso demais pra te falar da minha história, que às vezes é uma dor que eu não quero sentir, ainda que eu saiba que escrevendo a dor muda, mas a dor muda doendo: escrever dói. E muito. Tenho vontade de apertar o backspace até ele dissolver todas as minhas palavras em ausência. Mas, às vezes, a ausência é tão insuportável, mas tão insuportável, que prefiro doer a aguentar a sensação de solidão.
Veja só! Escrever ilumina os espaços vazios. E a solidão, desse modo, vira possibilidade de ir: espaço-tempo, ou seja, dança.
A escritura ilumina os espaços e cria condições de exercer a si própria. É como se ela, escrevendo, pudesse escrever caminhos, escrever-se escrevendo. Abre-se então caminho através de um traço, que pode ser, simplesmente, um leve pontilhar de dedos no teclado: cada ponto, uma possibilidade nova de continuar escrevendo.
Te mando esta carta com alguma ternura,
Ítalo.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
2 de maio de 2017 21:07
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
SÃO PAULO 02/05/2017
Ítalo querido,
Hoje estou muito cansado porque o mês está acabando e nem vi o tempo passar. Agora estou em casa, sozinho, depois de uma temporada de horários que tive que cumprir. Horários e trabalhos me salvam de pensar em coisas que talvez você esteja pensando.
Entendo as coisas que você escreve, então, em vez de Duras, te indicarei outras coisas que, ao invés de te jogarem pra dentro, lugar onde você me parece estar durante esse tempo, te joguem para casa dos outros, para a rua.
Querido, não se perca nessa escrita, terreno de bombas. Você tem a juventude estampada na cara. Escute uma música que te faça bem e crie um projeto. No ato de criar, é possível desviar-se do perigo, mesmo que pareça que todas as vias estejam infestadas.
Cuide para que a Lispector tome menos espaço na sua vida. Ela nem soube que você existe. Vá atrás dos que precisam de você e pergunte a eles alguma coisa que tomará tempo pra ser respondida. Anote tudo. Invista nos outros.
Nem sei porque estou te dizendo essas coisas, talvez por nosso trabalho ser feito dos outros e de mais ninguém. A gente é só um rascunho.
Um beijo e um abraço,
W.
Ítalo Campos < @gmail.com>
3 de maio de 2017 12:13
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Obrigado, Wagner.
Sua carta chegou em boa hora.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
3 de maio de 2017 12:41
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
O que você está criando agora, ou já criou?
Ítalo Campos < @gmail.com>
3 de maio de 2017 17:01
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Fiquei tão desorientado com a sua pergunta que escrevi uma carta.
FORTALEZA 03/05/2017
Querido Wagner,
A sua pergunta, a respeito do que tenho feito em matéria de arte atualmente, me deixou um pouco sem jeito. Talvez eu pudesse mesmo responder que meus últimos dois trabalhos foram Dani e Edu, os homens que amei. Talvez eu também pudesse te dizer que, mais recentemente, meu trabalho consistia em, tão somente, sair na rua de vestidos. Então, depois de dizer tudo isso, talvez eu pudesse finalmente te dizer que meu trabalho agora consiste em sair pra festas noturnas usando vestidos. Seria uma bobagem isso que eu digo? De querer transportar a noção de obra de arte para a vida de tal maneira que já não houvesse a necessidade de existir artista ou obra de arte, exceto lá onde eles pudessem confundir-se entre si — isto é, no momento exato de alguém fazer-se a si mesmo como obra de arte? A isso chamo "Bioficção": ficção viva, pulsante, vida-obra-de-arte. Algo ainda muito novo pra mim.
Sinto, Wagner, que a figura do artista, talvez, ainda retenha algo da divindade olímpica. Tenho procurado o chão. Todas as vezes que penso na arte, me vêm à memória o quanto ser artista é, de certa maneira, um pouco excludente. O quanto a arte pode ainda ser uma ferramenta de diferenciação perversa entre as pessoas. No Brasil, por exemplo, onde as estatísticas mostram que a grande maioria da população nunca visitou um teatro ou um museu, criando “excluídos culturais”, fico pensando se brigarmos pra que essas pessoas tenham “acesso” a esses lugares, levando-as para os museus, não seria, talvez, um modo um tanto colonizador. Como os espaços de arte poderiam também ir ao encontro do outro? Como a arte poderia renunciar a si mesma e dar-se de presente à cidade? Como podemos profanar o poder da arte, fazendo dela ferramenta na construção da felicidade das pessoas, e não somente uma atividade especializada — dispositivo de controle e dominação estética do outro, comumente baseado na perversa noção de “exclusão”? Noção esta, talvez, fundamental para a arte como a conhecemos até hoje.
Comecei a andar de vestido porque esta é uma ação para qualquer pessoa. Homens usam vestidos e se colocam travestidos, fazendo-se obra de arte, ainda que não saibam disso. Obras de arte, sim, visto que exercem sobre si certa liberdade de ficção, de autotransformação ativa. Eu sempre quis entender isso! Eu queria entender onde a arte se esconde — e, às vezes, dá-se a ver — nas ações mais banais do cotidiano, dos não artistas. Queria poder, eu mesmo, dar a ver a arte como essa condição imprescindível pra uma vida minimamente prazerosa, vida que se distancia de uma “falta”, de um destino perfeito, de um jeito certinho de fazer. Arte que agora é uma “falha”, uma vez que se desvia do esperado, do exigido — e que se regozija, portanto, no erro. Ainda que, cá pra nós, talvez já não haja erro, tampouco acerto. Apenas errância e um desviar contínuo de algo que não se sabe bem o que é. Talvez das regras dadas, talvez do destino prévio. Talvez, desviar-se mesmo por puro desejo: desejo de desviar. Ponto. Não tem exatamente do quê. Entende?
É como se, andando de vestido por aí, eu carregasse o pensamento de Marcel Duchamp e seu urinol (ou, quem sabe, o pensamento e o urinol de Elsa von Freytag-Loringhoven?) pelas ruas da cidade: um objeto, que não fui eu quem fez, vira em meu corpo um objeto de arte — não por sua singularidade, ou até mesmo pelo meu status de “artista em formação”, mas pelo frágil jogo que sustenta o status quo e que aqui é friccionado (ficcionalizado) quando sobrepomos duas camadas distintas de sentido em um mesmo corpo. Corpo supostamente masculino que, vestindo uma peça de roupa supostamente feminina, parece muito com um urinol numa galeria de arte. Uma dupla relação de coerência aqui se desfaz. Porém, no caso do urinol de Duchamp | Elsa, ao que me parece, o sentido da obra de arte se sustenta e se desfaz pela ação do próprio artista que, ao valer-se do seu próprio prestígio e de todo o jogo social que tanto legitima quanto sustenta a obra de arte, questiona, desse modo, a aura da obra de arte — e, de certa maneira, também, a sua própria. Comigo e os vestidos, todavia, acredito ser de outro modo: é o objeto quem sustenta e desfaz a figura do artista, questionando a figura de um artista que já não existe mais, mas que passa a existir de novo no momento em que se coloca sob a ação violenta de um objeto. O artista (podemos ainda chamá-lo assim?) coloca-se desse modo, ao mesmo tempo, como objeto e também como objeto de arte. Tudo isso pela ação de um vestido: objeto qualquer que qualquer um fez, não necessariamente um artista — digo, pelo menos não um artista como temos o hábito de usar a palavra, ainda em seu sentido excludente.
Aura de artista é também aura de homem: é na perda de uma dupla condição hegemônica — de macho e artista — e na afirmação de um corpo experimental, filiado a uma menoridade formal (feminina e ordinária), forjada em ato tão banal como o vestir de um vestido, que tenho afirmado este ato como um ato de não arte — e simultaneamente (por que não?) como um ato de arte também.
Usar vestidos — entender e afirmar isso como arte — é uma tentativa de tirar o poder do artista e dividir o poder da arte entre as pessoas comuns, sobretudo entre as menores. Talvez porque eu também seja uma delas.
Ítalo
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
4 de maio de 2017 10:33
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Ítalo, que bom receber essa carta. Acho que o que você disse/escreve precisa ser ouvido por muitas pessoas. Nessa carta, você está na casa do outro, na rua. Às vezes, pra que isso aconteça, é preciso escutar uma pergunta violenta, não? Linguagem é violência?
Indico para você o poema Satélite, de Manuel Bandeira, o New look de Flávio de Carvalho, e o filme Concerning violence.
Resolvi postar essa resposta no corpo de um e-mail, e não formatar a carta em um documento no Word, para ser tão simples quanto um mictório.
W.
Ítalo Campos <@gmail.com>
4 de maio de 2017 11:24
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Tenho certa necessidade de continuar lhe escrevendo como parte do processo dramatúrgico do trabalho com os vestidos. Ele parece exigir isso de mim, sobretudo pra que minha errância não se torne fuga.
Obrigado, Wagner.
Ítalo
Ítalo Campos <@gmail.com>
11 de maio de 2017 13:46
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
As pessoas dizem que eu deveria sair mais da academia, e começo agora a concordar. Até certo ponto. Um dos meus maiores medos, no momento, é justamente esse: estou finalizando a graduação e isso tem me aterrorizado bastante. Primeiro, porque dependo financeiramente da instituição, na verdade, eu moro na universidade, literalmente, pois faço parte do programa de residência universitária. Então, ao sair de casa, curiosamente, eu saio da academia. E vice-versa: ao sair da academia, eu saio de casa. Tudo que faço está impregnado dela, é o que quero dizer, e agora está chegando o momento em que terei de lidar com a iminente ausência de ambos. Outra coisa que me faz querer “sair de casa”: me parece oportuno, ou talvez mais do que isso, parece-me mesmo urgente, citando Lygia Clark, que a academia perca sua imagem e se dissolva no coletivo. Um dos desafios dessa pesquisa, que é a minha vida, é, assim, aproximar arte e vida, mas também tentar diminuir, senão romper, essa cisão entre o científico e a vida. O fato de eu estar te escrevendo essas cartas só é possível, em certa medida, por isso. Quando eu te escrevo, todos os meus professores, colegas de classe, os autores que li, os trabalhos que vi escrevem junto. De forma mais materialista: o computador que uso é da universidade. Eu não falo isso pra lhe causar qualquer empatia, não se trata disso. É antes a defesa de um modo de conhecer que é também um modo de viver. E que, se por acaso, em certa medida, sou dominado por esse modo de conhecer, não tenho dúvida de que esse modo de conhecer também se desconfigura um monte quando entra na minha vida. Quando proponho que pesquisar é viver, a pesquisa perde também um pouco do seu brilho, da sua aura, ela vira um uso de vestido, um e-mail, uma carta. Procuro mais uma vez o ponto de convergência, a união. E, pra mim, que sou financiado com dinheiro público, é muito importante afirmar que o que falo interessa, sim, a qualquer pessoa, e não somente aos meus pares. Porque, afinal, não interessaria? Eu, particularmente, entendo que falamos muito pouco desse outro corpo da dança, entendemos muito pouco dele, porque não o experienciamos. O corpo de que se fala na tevê, nos livros, é o corpo da representação e ele me parece ser, pelo menos no Brasil, ainda um paradigma a ser enfrentado. O corpo que dança sequer existe pra muitas pessoas, porque ele é recalcado pelos ritmos de trabalho e de convívio social hegemônicos. Dançar, eu acredito, ainda é, conforme um pensamento excludente, um privilégio. Um privilégio seja de pessoas ditas especiais, talentosas, seja de vagabundos, dos que dançam por dançar, sem qualquer talento. Por mais que meu trabalho queira tirar do artista esse ar superior, ainda não é possível, pra mim, admitir que ser artista não é um lugar com certo privilégio. Mas o fato de que aquele que dança tem privilégios não depõe contra a dança, só lhe dá alguma responsabilidade, pois se ainda há algum motivo pra se ter artistas, e, aqui, artistas-pesquisadores, é para que esses artistas possam dividir o que sabem com aqueles que por ventura se interessem, mas que ainda sequer imaginam que são capazes de fazer(-se) arte. Lygia e Hélio assim o fizeram, no morro e na galeria. Sem eles, provavelmente eu não existiria, porque acreditaria piamente que ser artista é coisa de gente “especial”.
Crueldade não é outra coisa senão a coação dos acontecimentos, aquilo que não pode ser evitado por uma força que leva o artista a cometer tal ou tal crime estético. Quando você se dá ao público em La Bête, o público tem um problema nas mãos, literalmente: eles foram lá pra assistir e não pra meter a mão na massa. Você então lhes dá o seu corpo inteiro para que, em troca, eles possam fazer arte, ainda que, talvez, contra a vontade deles mesmos — e isto, eu ousaria dizer, é um ato de refinada crueldade.
Retornando ao teor academicista dos meus trabalhos: tanto quanto de você, Hélio e Leonilson, o vestido também está impregnado de Foucault, Deleuze, Spinoza, etc. Sem eles não existiria nem vestido nem carta. Não que eu estabeleça uma relação causal entre mim e eles, mas, antes, vocês todos compõem uma rede que me perturba internamente a ponto de eu ter de fazer alguma coisa, mas essa coisa nunca está dada de antemão.
Poderia ter perfeitamente escolhido um acadêmico para quem eu pudesse escrever, ou uma pessoa que não fosse artista. Poderia, em vez de usar vestido, ir fazer um trabalho coreográfico todo realizado em sala de ensaio, mas não. Escolhi vocês como referência, não foram vocês que me escolheram. Sim, eu também te escolhi. E se o fiz, não foi somente porque queria lhe apresentar os meus autores — ainda que eu saiba que eles estão todos aqui, entre nós, assim como os seus também estão —, eu lhe escrevo por querer que os meus autores te conheçam, e que, assim, sejam um pouco perturbados pelo contato com você e os seus autores. Eu mesmo também já estou um tanto perturbado. Nesse sentido, eu concordo com você: sim, eu preciso mesmo sair da academia, mas sair da academia, felizmente (ao menos pra mim), não quer dizer deixá-la de lado. Esse e-mail já é uma tentativa nesse sentido, eu acho.
Abraço! Obrigado pelas questões. Elas me fazem pensar bastante.
PS: Te escrevo falando mais sobre a materialidade dos vestidos, em breve, eu prometo.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
13 de maio de 2017 07:20
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Ítalo querido, para sair de casa e da academia não precisamos literalmente sair de casa e da academia. Você é um artista, aproveite seu imaginário. Sair de casa e da academia pode ser parar de repetir as coisas que ensinaram pra você, deixar de fazer karaokê.
W.
Ítalo Campos <@gmail.com>
15 de maio de 2017 09:33
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Sábado foi meu aniversário. Comecei a fazer um poema e só terminei hoje. Resolvi fazer um poema porque não sei como fazer um poema. Acabei riscando tudo e deixando só uma parte, a parte que faz sentido ser compartilhada agora. A coisa de mostrar é ainda bem dolorosa, então, às vezes, eu ainda vou pelo caminho mais calmo. Ou não, talvez eu só tenha uma predileção pelo simples. Não sei. Fico em dúvida sobre aquilo que defendo, que estou defendendo, que é errar. Mas talvez errar, às vezes, seja ir pelo caminho seguro por um tempo. No sábado do meu aniversário voltei a usar vestido depois de um longo tempo pensando sobre eles. Hoje vou sair de novo com um deles. É que eu já tenho uma relação com eles. O fato de eu os comprar ou fazer não é exatamente uma questão central do trabalho, porque o meu trabalho não trata exatamente desse tipo de habilidade e desse tipo de relação com os objetos, mas entende que os objetos são inventados e atualizados pela gente, independente de quem os criou. Existe uma diferença entre criar e inventar, a costureira cria o vestido, eu o invento. A invenção está nos usos, talvez, mais do que na idealização das coisas. Se eu fizesse o vestido, talvez eu já tivesse uma ideia preconcebida do que fazer com ele e com a minha pesquisa, mas, na verdade, a minha pesquisa começa justamente no ponto cego que é vestir um vestido pela primeira vez aos 27 anos e sair na rua. A partir daí, construir com ele, esse ser estranho, toda uma cadeia de relações com o social que eu não fazia a menor ideia. Ou talvez fizesse, pela intuição. A fase em que a pesquisa está agora sai da relação do corpo se deixando entranhar pelo social (pelos olhares, pelas piadas, etc) e investiga como a dança consegue ultrapassar isso. Quando digo ultrapassar, não quero dizer que a dança resolva o problema da dicotomia, da aversão das pessoas ao meu corpo, das marcas corporais e cinéticas que se formam a partir dessa experiência. Não, a dança não resolve nada, ela só consegue (pelo menos é o que sinto até agora) propor outro problema espaço-temporal, onde essa dicotomia talvez se desfaça nas micropercepções do corpo. Isso acontece porque a dança tem alguma coisa que nos livra de uma identidade pra sempre coerente. Ela nos faz esquecer de quem somos. Dançando, somos outro eu, provisório. Uma quimera. É como se o corpo de vestido pudesse, através da dança, fazer algum sentido provisório em determinados contextos sensíveis — e uma vez fazendo sentido nesses contextos, ainda que em outros, ele ainda continue sendo rechaçado. A experiência de fazer sentido muda a experiência de ser rechaçado. Ilumina-a, muda-a, como um vírus.
Até logo,
Ítalo.
FORTALEZA 13/05/2017
Para Wagner,
Aniversário.
[peço que você olhe a página de mais perto até que as palavras mudem]
De amor.
Ítalo Campos <@gmail.com>
15 de maio de 2017 10:15
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Sobre fazer karaokê:
Ítalo Campos <@gmail.com>
15 de maio de 2017 11:10
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Vi que o link pra Paixão de JL estava bugado, e é um filme muito bonito. Merece ser visto com cuidado:
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
23 de maio de 2017 10:35
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Ítalo, sempre tive a sensação de não conseguir entrar no trabalho do Leonilson por algum motivo. Comecei a assistir ao vídeo e agora, aos 24 minutos, não consigo mais continuar esta viagem sentimental. Sei que corro o risco de ser criticado, mas isso só me reforça a vontade de não querer saber mais a respeito do trabalho desse artista. Sinto muito, porque me parece que ele tem muitas coisas a te dizer.
Muito obrigado pelo poema, apesar de que é o seu aniversário e o presente deveria ser pra você.
O texto é bonito, curto, só não entendi os colchetes.
W.
Ítalo Campos <@gmail.com>
23 de maio de 2017 11:36
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Os colchetes falam de algo que é um aviso, um pedido. Do tipo [olhe com cuidado]. O que está fora é um objeto, pois existe sem precisar do aviso. Tem sentido próprio, autônomo, mas roçando no que está nos colchetes, modifica-se e modifica-o também.
O Leô é, de fato, um artista sentimental demais, a obra dele se abre pra tudo, pra qualquer coisa. Ele é piegas. Mas talvez ele esteja apenas mentindo… Não caio na dele sem querer, caio porque gosto mesmo da pieguice, do seu falso brilho juvenil. Ele lembra, de fato, os meus desenhos de infância no caderno da escola. Mas gosto mesmo dele por ser um artista que trabalhava loucamente sobre a sua dor, mesmo que fingida, e acredito que de forma muito consciente e política. O infantil, o malfeito, o paupérrimo se conecta com um espírito nômade, cearense. E que é, por fim, um espírito doente, apaixonado. Às vezes, ser fraco é tudo que a gente pode fazer. É dessa crueldade que venho falando e da qual me alimento um tanto: da fraqueza e da merda como potência pra sair do comodismo dos caminhos pavimentados da grande arte. Não sei se estou bem: tenho tido dias silenciosos e por isso estou incomodado, esperando. Mas aprendendo também a lidar com esse imenso nada que se ergue ao meu redor. Talvez ele não sirva pra nada, talvez sirva. No fim, ele existe, é contingente. Assim, talvez uma dança se erga adiante, talvez não. Mas gosto de achar que sim, é bom ter esperança.
Um abraço, Wagner.
ítalo.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
23 de maio de 2017 11:57
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Querido, o Leonilson, hoje, pertence ao comodismo dos caminhos pavimentados da grande arte. Onde estaria o problema?
Ítalo Campos <@gmail.com>
23 de maio de 2017 16:43
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Talvez, baby. Talvez! Mas como o próprio Leonilson admite: “são tantas as verdades” (!). Explico: o fato de Leonilson ser cooptado pelo mercado de arte, pela história da arte, tem muito a ver com a consciência que ele tinha do mercado de arte enquanto campo de disputa. Lygia e Hélio também tinham essa consciência, tanto, que seus trabalhos ainda hoje estão lá na galeria, como monstros, lembrando-nos da atrocidade que a arte pode ser. O legado de Leonilson parece ser o mesmo desses dois: o amor, a banalidade da vida como ato artístico. As obras de Leonilson são cartas, diários íntimos. Tiram qualquer hipótese de neutralidade na arte, agora vida-obra-aberta. Leonilson é um artista completamente ligado à dramaturgia de seu tempo, embora consiga produzir um tempo que é fora do tempo. Talvez seja culpa do amor, essa fragilidade a nos corroer os dias, as horas e os minutos corridos. Amor, que é o fim da civilização, do projeto de modernidade a nos separar das coisas. O amor mistura tudo, confunde os tempos e os espaços; por isso, é matéria-prima por excelência da dança. O amor sempre nos tira de casa. Ah, eu também sei ser piegas.
Não é possível dançar sem amor.
Com amor,
Ítalo.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
23 de maio de 2017 16:48
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Gosto mais dos seus textos do que dos textos do Leonilson. Vou continuar lendo você.
W.
Ítalo Campos <@gmail.com>
9 de julho de 2017 16:03
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Pensei em você ontem mesmo, coincidência ou não. Talvez por ter lido uma das cartas que fiz pra ti no encerramento de uma disciplina. Aliás, esse final de semestre tem me desviado um monte da escrita, cuja continuidade espero retomar logo em breve.
Se você tiver tempo esses dias, queria te fazer uma pergunta: assisti recentemente o vídeo de Piranha, que está no DVD do Rumos Dança Itaú Cultural, e fiquei curioso quando você se refere ao trabalho (e mesmo o subintitula?) como “dramaturgia da migração”. Por que o uso da palavra dramaturgia? Estou envolto nessa palavra há uns meses e queria, se fosse possível, que você me desse mais uma pista pra entendê-la.
Beijos.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
24 de julho de 2017 05:22
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Chamo de dramaturgia da migração o estudo do rastro daquilo que vai se acumulando durante o deslocamento do corpo pelo mundo. É uma tarefa pra vida inteira. A palavra dramaturgia existe nesse caso para observar esse rastro à distância, esteticamente.
Ítalo Campos <@gmail.com>
29 de setembro de 2017 18:48
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Hoje, acordei, abri o Facebook e você tinha virado assunto em página sensacionalista. Lá fui eu falar de dança contemporânea com alguém que provavelmente nunca viu uma peça de dança na vida! Foi divertido. Quem diria: dançar ainda dói, incomoda, cutuca. E que bom que seja assim. Nosso trabalho, Wagner — e tenho, nesses tempos duros, estado cada vez mais apegado a esse lance de trabalho, de ser um trabalhador, como qualquer outro — é realmente muito perigoso, como diria Leonilson. Quando trabalhamos sobre o tempo, ainda mais nesse nosso tempo, arriscamos reconfigurar, como Rancière sugere, todas as posições, supostamente fixas, que ajudam a manter a política (e a arte) como um problema das (ditas) elites: a posição de artista como oposta a posição de espectador; o labor corporal, como oposto ao trabalho do pensamento; aquele que vê, como oposto àquele que faz, etc. Penso que o artista, ao desafiar a lógica desse mundo, de tão reconhecidas representações, assemelha-se bastante a um simples trabalhador que, inconformado, ousa proclamar, em praça pública, que tudo pode mudar. E, num mundo movido à exploração da classe trabalhadora, isso parece ser, sim, realmente, um crime imperdoável. A estreita relação do nosso trabalho com um tempo ainda por vir, me parece, assim, ter a ver, tão somente, com o fato de que tanto a arte quanto o trabalho, em seu sentido ontológico, são modos de relação com a materialidade do mundo que ensejam transformar esta. Ambos evidenciam, assim, o caráter eminentemente precário (posto que ficcional) de tudo aquilo que chamamos de realidade. Mais uma vez, digo: tudo pode mudar. Barulhento e, ao mesmo tempo, silencioso, esse trabalho tende, muitas vezes, ao ruído. E é até mesmo possível que para algumas pessoas não estejamos emitindo som algum… e tudo bem. É assim mesmo, acho. Não nascemos para dominar o mundo, não é mesmo? Em todo caso, acho que fazer arte experimental assim, do modo como você e eu nos propomos a fazer, é sempre um exercício político que demanda sangue frio. Ou sangue de barata, como você mesmo uma vez propôs...
PS.: Agora, fiquei pensando no que falam sobre as baratas dominarem o mundo quando o mundo acabar — que horror!
Abraço em ti.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
29 de setembro de 2017 19:11
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Oi, querido, obrigado pelo texto bonito. Hoje estou tristíssimo. Um dia, quando a vontade de falar de coisas boas voltar, eu te escrevo.
Outro abraço,
W.
PS. Se posso me permitir, nos dois segundos de sobriedade que ainda me deixam argumentar nesse momento, quando você diz “a estreita relação do nosso trabalho com um tempo ainda por vir”, eu não me vejo neste espaço que você nomeia como “nosso”, ítalo. Meu trabalho se relaciona com o tempo de hoje. “Meu mundo é hoje”, como disse o Paulinho.
Ítalo Campos <@gmail.com>
25 de outubro de 2017 08:41
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Oi!
Encontrei (na verdade, fui encontrado por) uma suposta carta de Lygia Clark ao seu filho, datada do ano de 1970.
Vi na internet. Não achei a origem, não entendo muito bem e não concordo com tudo, mas lembrei de ti, tenho lembrado muito de ti.
Um abraço.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
25 de outubro de 2017 12:00
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
“Quando você se sentir no mais absoluto desespero, você está sendo salvo.” Talvez esta seja a melhor dica desta carta, me faz pensar em Hölderlin: “Mas onde está o perigo, cresce também o que salva”.
Acabo de chegar de viagem. Está difícil transformar esse episódio. O Brasil está corroído. Não tem mais jeito.
Ítalo Campos <@gmail.com>
25 de outubro de 2017 17:31
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Sinto que a gente precisa trabalhar muito ainda. E eu insisto em que a gente sonhe. Confundo um pouco as coisas, porque acho que trabalho e sonho estão completamente interligados, principalmente na arte. O Brasil está corroído e doente, acho que por isso mesmo tenho me apegado muito, nesse momento, à Lygia, pra pensar em processos de autocura — tem sido realmente muito dolorido trabalhar nesses dias. Não sei… gosto de ouvi-la. Ela me dá uma ponta de esperança no futuro.
Mande notícias. Abraço!
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
25 de outubro de 2017 18:28
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Tudo vai mal, tudo.
Ítalo Campos <@gmail.com>
26 de outubro de 2017 11:32
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
O vídeo que se seguiu foi esse:
Daí me lembrei de uma carta que escrevi há alguns meses pra ti e acabei não enviando. Não gostava dela na época, mas talvez agora seja bom mostrá-la:
FORTALEZA 24/08/17
Bom dia, Wagner.
Faz alguns meses que não escrevia. Nem pra ti nem pra ninguém. O primeiro semestre de 2017 foi, sendo bastante sucinto, um tanto difícil pra mim. Talvez por ter decidido deliberadamente experimentar a solidão. Fiz isso, acredito, somente pra finalmente entender que ela não me cai tão bem assim, pelo menos não por muito tempo. A solidão, agora sei, é algo muito difícil de suportar — parece mesmo que passou, será? O segundo semestre costuma ser movimentado pra nós, artistas, não é mesmo? Estou com boas expectativas. Imagino que devas estar bastante ocupado. Ainda tens interesse em me ler? Espero que sim.
Papinho mequetrefe esse, né? Me lembra uma música:
Esse papo já tá qualquer coisa
Você já tá pra lá de Marrakesh...
Conheci o disco Qualquer Coisa, do Caetano, em 2015, logo depois que me apaixonei pelo Edu — acabei não terminando a história! Por coincidência (ou não) o meu ascendente é escorpião e o signo dele é sagitário, como na historinha da faixa 2, que se chama "Da maior importância".
De fato, eu e ele, assim como na música, tivemos apenas “um pequeno momento, um jeito, uma coisa assim...”, como também “um movimento que aí”, ele “não pode mais gostar de mim direito”.
Eu estava na sala branca do antigo prédio do ICA (Instituto de Cultura e Arte) — na Av. Carapinima, onde eu estudava na época por causa da Licenciatura em Dança. Lembro como se fosse hoje: estávamos numa aula da professora Rosa Ana sobre os fatores de movimento do Laban, pesquisando fluxo livre ao som de música quando, de repente, "Da maior importância" começou a tocar nos alto-falantes da sala. Tive então de conter o fluxo por alguns instantes. Parar de dançar por um momento. Apenas pra ouvir a música que falava exatamente do que tinha acontecido comigo uma semana atrás:
Terá sido na praia, medo...
Praia de Iracema. Domingo, 6 horas da manhã. Eu e ele sentados de frente para o mar verde-azul, então eu disse: “Droga! É lógico que você não é daqui. As pessoas daqui não são assim!”
Vai ser um erro...
Como o mundo inteiro poderia caber em apenas algumas linhas?
Os olhos de Edu, a boca de Edu, as mãos de Edu, o cabelo de Edu, a barba de Edu, o cheiro de Edu, os pelos de Edu, a dança de Edu, o beijo de Edu, o sexo de Edu. Deixei que ele tomasse meu coração em suas mãos grossas, ao amanhecer, enquanto rodopiávamos no salão. Caetano cantava, alucinado: SHOW ME FROM BEHIND THE WALL.
...uma palavra? A palavra errada?
Cama de hotel, amor ligeiro.
baby, you don’t know me...
Lembro que, depois desse “pequeno momento”, dançar tornou-se outra coisa, “da maior importância”. Dançar passou, a partir daí, a ter mais a ver com lidar com o amor (e a vida) de forma autônoma e experimental do que com coreografia. Ou melhor dizendo, a coreografia foi que passou a ter mais a ver com modos de vida experimentais do que qualquer outra coisa. E o amor, como ato capaz de desafiar o momento histórico que se apresenta, passou a ser entendido por mim, de certa maneira, também como uma espécie de coreografia, como escrita experimental do corpo. Pra você entender melhor: à minha frente, um homem incapaz de gostar de mim direito. Ainda assim, ou justamente por ser assim, eu o amaria: composição experimental. Mesmo que ele — ou eu mesmo — não entendesse isso: uma dança menor. Como nos diz Lygia Fagundes Telles: um amor (e porque não, uma dança) condenado/ à ruptura:
“No escuro eu sentia essa paixão contornando sutilíssima meu corpo. Estou me espiritualizando, eu disse e ele riu fazendo fremir os dedos-asas, a mão distendida imitando libélula na superfície da água, mas sem se comprometer com o fundo. Divagações à flor da pele, ô, amor de ritual sem sangue. Sem grito. Amor de transparência e membranas, condenado à ruptura.”
Foi partindo da imagem da bolha de sabão invocada por Lygia Fagundes Telles como metáfora desse amor qualquer-coisa, amor-coisa-prestes-a-sumir, que pude, finalmente, encontrar um meio de dançar — sim, dançar, mais do que tudo — essa coisa estranha chamada amor.
Abraços coisados em ti!
Ítalo
Ítalo Campos <@gmail.com>
26 de outubro de 2017 11:57
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Tenho estado bastante cético com relação ao amor, então acho mesmo essa carta meio besta. Lembro agora de uma entrevista sua na Antro Positivo falando disso, de como é difícil falar de amor na dança. Lembro do Leonilson também. Não queria desistir dele, mas tem sido cada dia mais difícil acreditar nessas coisas pequenas.
Ítalo Campos <@gmail.com>
21 de fevereiro de 2018 16:25
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Sinto saudade de falar contigo.
Tenho acompanhado as notícias sobre você daqui, do calor de Fortaleza, e tô bem feliz que você pareça estar bem. Eu também tô bem, acho — às vezes, me parece meio arrogante afirmar que a gente tá bem, né? Mas, sinto que tô bem melhor, de verdade. Completamente perdido nesse ano que segue sem muito rumo, e apesar de tudo, ando lidando e aceitando bem a deriva da vida. Queria saber de ti, qualquer coisa que seja.
Abraço!
PS: Sorrindo. Parece que meu corpo gosta de conversar com o seu.
Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
22 de fevereiro de 2018 06:49
Para: Ítalo Campos <@gmail.com>
Ítalo querido, estou preparando a minha viagem para o Brasil. Escolho as imagens que me deixam seguro, para não ficar com as que o medo e a angústia criaram. Vou conseguir. Esta frase pode ser usada como um mantra, uma oração, um conceito. Não quero pressa, preciso cuidar desse trauma com atenção. Vou fazer uma peça com outros artistas que também foram atacados. Espero, em breve, mudar de assunto. Isso é o que mais espero. Outro abraço pra você,
W.
Ítalo Campos <@gmail.com>
1 de março de 2018 11:09
Para: Wagner Schwartz <@wagnerschwartz.com>
Bom trabalho, Wagner. O Brasil necessita de artistas.