Wagner Ribot Pina Miranda Xavier Le Schwartz Transobjeto
Gostaria de começar este Transobjeto com uma introdução em primeira pessoa. Um convite. Fico constrangido em pensar na interferência dos discursos do novo e da cópia em práticas artísticas. Com eles eu não consigo me relacionar. Eles já possuem uma grife. Penso ainda em outra possibilidade de trabalho ao qual se acrescentam parágrafos (entre aspas ou não) de outros performers, sem arbitrariedade, mais favela: um processo que começa a partir de experiências coletivas. Isso também pode ser grife, mas é brechó.
Entendo que um processo solo é algo que se desvela na acumulação. E não poderia deixar de mencionar ou pôr em rede, também, as músicas, os lugares, as pessoas que possibilitaram que meu trabalho estivesse em condição de receber visitas.
Todos os meus projetos têm data de validade. Por uma série de questões de envolvimento com a temporalidade das coisas, pela necessidade da criação de novos objetos, ou pela simples noção de que as coisas vencem: essa performance foi criada há 2 anos, pode estar vencida. Talvez, antes mesmo de ser apresentada, já tenha sido lida. O leitor corre sempre esse risco.
O que muda? A maneira de revisitar.
Em julho de 2003 fui contemplado com uma bolsa de pesquisa coreográfica pelo Instituto Itaú Cultural. Naquele momento, foram quase 400 projetos inscritos, vindos de toda parte do país, dos quais 14 foram selecionados para receberem financiamento de produção. Para a análise do projeto, os criadores deveriam enviar 15 linhas escritas sobre sua proposta coreográfica e uma fita VHS com uma pequena amostra da pesquisa, com não mais que 10 e nem menos que 5 minutos de duração.
Morava em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Foi lá que, pelo menos durante oito anos, desenvolvi minhas pesquisas em relação à dança, literatura, performance.
Voltando à bolsa. Eu tinha 15 linhas e exatos 5 minutos.
Antes mesmo de receber o valor da premiação, comecei a investir em minha pesquisa. Fui viajar. Precisava entender porque havia demorado tanto tempo para que eu conseguisse uma subvenção no Brasil. Para isso precisava me comunicar. Minhas ideias ainda estavam muito frágeis.
Como estava fazendo uma apresentação em Portugal, decidi ir até a França para compartilhar minha pesquisa com um amigo. Mostrei a ele as 15 linhas escritas e os 5 minutos de meu trabalho. Sobre o texto, ele disse: “fantasia”. E sobre os 5 minutos em vídeo: “isso é Xavier Le Roy”.
Um hiato. (Tomo um copo d’água) Foi esse mesmo tempo que tive para pensar em vitimar minhas ideias. Mas, minutos depois, perguntei a ele:
– Quem é Xavier Le Roy?
Ele me respondeu:
– Um dos coreógrafos mais famosos da atualidade.
– Eu não o conheço.
Respondi muito frustrado. Em seguida, retomei:
– Ele me conhece?
– É claro que não, my dear.
Entendi quais seriam as relações que iriam compor meu novo projeto. Segundo Milton Santos, vivemos em um mundo exigente de um discurso para a inteligência das coisas e das ações. O espaço se globaliza, mas não é mundial, senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não há espaço mundial. Quem se globaliza mesmo são as pessoas e os lugares. A única dimensão mundial é o mercado.
Globalização, portanto, é antes de tudo: fantasia (15 linhas do texto), porque a transferência não passa de uma promessa, e perversidade (5 minutos do trabalho em vídeo), pela prática da competitividade.
A ideia de reconstruir outras relações para Transobjeto me fez recorrer à pesquisa de outros brasileiros que, artisticamente, problematizaram a ideia de universalidade das coisas, operando contra imposturas políticas: nas artes visuais, Lygia Clark, Hélio Oiticica; na música, Caetano Veloso e, na dança, Lia Rodrigues.
Através de seus projetos, esses artistas conseguiram (e ainda conseguem) transitar entre os códigos gastos de edificação de tradição, baseados em questões identitárias; como também perambular por clichês, questionando a tal e inexistente brasilidade ao propor em suas práticas um discurso sensorial à beira da doçura e da atividade humana.
Para tanto, eu, a pedra, o parangolé, Caetano-em-inglês, o guarda-chuva, os movimentos equiparados aos de Xavier – que nada mais são do que estruturas corporais baseadas na proposta “Bicho”, criada no final da década de 1960 por Lygia Clark – compõem o discurso dos objetos: do uso e da sedução. E a legitimação desse cenário depende de onde você o observa, se se cartografa ou se se expõe aos adjetivos vazios da comparação.
Em Wagner Ribot Pina Miranda Xavier Le Schwartz Transobjeto não há La Ribot, Pina Bausch, Xavier Le Roy, Carmen Miranda, samba, favela, ginga, cores, cartão postal, Planalto Central. Mas um pensamento que se formou à margem de La Ribot, Pina Bausch, Xavier Le Roy, Carmen Miranda, samba, favela, ginga, cores, cartão postal, Planalto Central.
E o melhor seria se a alegria ainda fosse a prova dos nove.