Hot 100 – The Hot One Hundred Choreographers
Parece que ele está sozinho, como geralmente parecem as coisas vistas de longe. Mas é possível estrear uma forma para observá-lo; também de longe: entrar em seu movimento aos poucos, se aproximar com cuidado, como pedem as grandes obras de arte. Elas sempre trazem no seu corpo, no seu espaço imaterial, uma quantidade de relações com o tempo, com seu andamento autorizando a quem quer que seja atualizá-lo; duvidar de sua presença.
As danças que Cristian revisita pertencem a certos momentos históricos e a ele. Um dançarino nasceu – o mundo tornou a começar. Se na literatura, Guimarães Rosa reinventa o tempo através do nascimento de uma criança no sertão; aqui, sua paráfrase nos lança para o tempo recursivo da arte, que garante a sua permanência em estados absolutamente alterados. Solitários. Se Cristian atravessou seus autores em algum tempo e os incorporou, eu, agora, os atravesso no meu jeito de Cristian.
A dança, para ele, não pertence a um território único, a um espaço geográfico sitiado por experiências universais; quando pensa em dança, o que foi conhecido por muitos e o que é conhecido por alguns tem, na história, os mesmos lugares: seu corpo. O que faz sentido – sua relação afetiva com cada uma das entidades de Hot 100– aparece e transmuta o seu próprio jeito de ser entre elas.
A experiência de reativação do novo está em jogo naquilo que se reconhece, naquilo que não se reconhece, naquilo que se vê. A partir de um momento, não tão simples e nem tão objetivo, Cristian deixa de existir em cena e eu vou ganhando corpo dentro da história que se desenvolve já não mais no espaço da observação, mas num momento anterior. Hot 100 me faz lembrar que a presença de quem for, aonde quer que seja, é fundamental para a continuação de um pensamento no tempo, de um desejo em se experienciar as coisas como foram, como são – sem perder intimidade com o espaço do outro – desmetaforizadas, sem função de mais valia, sem passaporte. Aqueles que foram reconhecidos por sua independência e por suas histórias de amor, pertencem a cada um.
Texto publicado no jornal idanca, via jornal 7x7, para a Bienal Sesc de Dança