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Ah, se meu pai fosse minha mãe


Thelma Bonavita © W.S.

Tive a forte impressão de já ter visto em algum outro lugar aquele ritual COMO_clube na 31a Bienal de São Paulo. Rituais se repetem, sempre, de uma forma diferente. Essa diferença me ajudou a acompanhar a procissão que surgiu por ali, entre os participantes, para em seguida fazer parte dela, com eles.

Cada entidade do grupo elaborava uma prescrição performativa para os pacientes de uma cerimônia extraordinária. Eu pensava o quanto era bom estar por ali; não como a extensão de um público, mas como uma pessoa. O COMO_clube, na cara e no jeito de Thelma Bonavita, Allyson Amaral, Ana Dupas, Caio, Eidglas Xavier, Gabi Vanzetta, Mavi Veloso e convidados me ajudou a entender o quanto é importante e bonito estar vivo.

Em outras ocasiões, os clubbers e eu discutimos sobre coisas que nos são preciosas e determinantes: a relação da arte de nossa época em confronto com outros movimentos estéticos, em outras datas; a massificação das noções de certo e errado nas escolhas artísticas; a expansão dos modos de agir na elaboração de propostas para exercitar o convívio; a força emocional das utopias; os trágicos desencontros entre filosofia e mercado de arte. Algumas vezes entramos em acordo sobre alguns desses teoremas; outras vezes, não. E continuamos nos frequentando.

A configuração de realidade que surge nas discussões entre COMO_clubbers e os outros traz ânimo às produções (próprias e alheias) daqueles que os conhecem, daqueles que querem ou não conhecê-los. Esse momento de dúvida – passagem do acerto ao erro – é onde se encontram, são questionados, muitas vezes, de forma cruel.

No último sábado, nessa Bienal, algo diferente me foi oferecido dentro de um mundo padronizado por similaridades estéticas: a chance de perceber meu corpo presente em meio a outros. Uma presença que não se tornou perceptível pela exclusão – devido ao trânsito cotidiano de notícias mórbidas –, mas por um carinho comoclubeano que transpira.

Cada uma das pessoas do público foi convidada a participar de uma experiência sensível, libidinal, catártica, autoestruturável, festiva (como queiram), dentro de um contexto (artístico e também não) que têm doído muito. Segundo a Piranha*, o homem moderno precisaria ter uma aparência ossificada, mórbida, mimetizada para ser levado a sério – a proposta artística “correta” deveria, igualmente, conter essa forma, ou essa formalidade. No entanto, os COMO_clubbers cuidaram das pessoas que estavam ali, uma a uma. Essa proposta desorientou o relógio da contemporaneidade.

Se, por um momento, o Edifício Esther – primeiro prédio modernista tombado pelo patrimônio público em São Paulo – foi visitado por jovens, adultos no desejo de reviver e triar as propostas estéticas concludentes de seus amores para propor um novo campo conceitual, presencial, na arte contemporânea; no último dia 08 de novembro, esse tempo de acertos, erros, frustrações, alegrias, esgotamentos foi animado por sua mais precisa afinação: os clubbers criaram

um ritual único, atemporal, oriundo de suas práticas e valores. – Quer gostem ou não.

Eu gostei.

COMO_clube

Transcoreógrafa e COMO_clubber: Thelma Bonavita

Transgestores e COMO_clubbers: Allyson Amaral, Ana Dupas, Caio, Eidglas Xavier, Gabi Vanzetta

e Mavi Veloso

COMO_clube colaboradores e convidados: Amilcar Packer, Karlla Girotto, Ad Ferrera, Emilija Skarnulte (Lituânia), Gustavo Saulle, Gustavo Silvestre, Henrik Sørlid (Noruega), Maryah Monteiro, Marsil Andjelov Al-Mahamid (Sérvia), Matti Aiko (Noruega), Nicolas Siepen (Alemanha), Tanya Busse (Canadá) e Valentina Desideri (Itália/França)

* Piranha é uma entidade que vive no corpo do autor desse texto, muito amiga do COMO_clube.

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